Arquivo do dia: 26/11/2011

Mulheres entraram na ciência pela cozinha

Por Elton Alisson

Agência FAPESP – A cozinha franqueou a entrada das mulheres no laboratório científico – o marco da ciência moderna que se transformou em um espaço eminentemente masculino, onde algumas delas se destacaram a duras penas em áreas que até então não atraiam a atenção dos homens.

A avaliação foi feita por Ana Maria Alfonso-Goldfarb, professora da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo, na penúltima edição do Ciclo de Conferências Ano Internacional da Química – 2011, realizada em 9 de novembro no auditório da FAPESP com o tema “A contribuição de Marie Curie para a ciência e um olhar sobre o papel das mulheres cientistas”.

De acordo com Goldfarb, foi por meio da habilidade de atear e controlar o fogo para preparar os alimentos – considerada uma atividade difícil e propriamente feminina – que as mulheres ajudaram a desenvolver até meados da Idade Média uma série de produtos. Entre eles estão os primeiros destiladores, extratos, além de perfumes, medicamentos, pomadas e licores.

“A cozinha era um espaço restrito para a maioria das mulheres. E foi entre a preparação de caldos e guisados que elas começaram a praticar o trabalho de laboratório desenvolvendo uma série de produtos que, posteriormente, passaram a ser utilizados por médicos e botânicos, na maioria das vezes se apropriando das descobertas femininas e não lhes atribuindo o devido crédito”, disse.

Segundo a pesquisadora, foi entre os séculos 16 e 17, quando o prelo se tornou importante e aumentou a circulação dos livros, que a “medicina da cozinha” ou “química das damas”, como foi denominado esse trabalho realizado pelas mulheres nos laboratórios-cozinha da época, ganhou maior importância.

Algumas delas, que tinham mais posses ou importância social, começaram a publicar livros com seus nomes. Uma delas foi a rainha Henrietta Maria (1609-1669), da Inglaterra, que financiou a edição do livro The Queen’s Closet Opened.

Entretanto, essa fase, que durou entre 50 e 60 anos, acabou justamente no momento em que surgiram os laboratórios, que marcaram a ciência moderna. “Como decorrência desse fato, as mulheres começam a voltar discretamente para a cozinha”, disse Goldfarb.

Já no século 18 surgiram os grandes salões literários, onde as mulheres ditaram o tom. Porém, de acordo com a pesquisadora, elas não tinham acesso às sociedades científicas ou aos grupos restritos de cientistas da época, onde a ciência, de fato, era feita.

Em função disso, são raros os exemplos de mulheres que conseguiram ter algum destaque, ainda que superficial, na ciência realizada nessa época. Alguns dos poucos exemplos são os da madame Émilie du Châtelet (1706-1749) e de Marie Anne Pierrete Paulze (1758-1836), a madame de Lavoisier.

Já entre os séculos 19 e 20 se iniciou o processo de educação científica feminina nos países saxônicos e anglo-saxônicos a conta-gotas, quando as primeiras mulheres conseguiram ter acesso aos colleges. Porém, a maioria que conseguia se formar acabava voltando para casa frustrada, por não conseguir trabalhar.

Como saída, algumas delas direcionaram suas carreiras para áreas que estavam passando por uma reformulação de bases ou emergindo, e que demandavam um trabalho fastidioso de cálculos e observações que não raro duravam meses. Entre essas áreas estavam a cristalografia, a astronomia e a radioatividade.

“Foram nessas áreas que sobrou espaço para as mulheres e nas quais elas foram recebidas, porque tinham que ser abnegadas e dedicadas para realizar um trabalho duro, pesado e que repelia o sexo masculino”, explicou Goldfarb.

Não por acaso, Marie Curie (1867-1934) se tornou a primeira mulher a ser laureada com o Prêmio Nobel de Química, em 1911, e o de Física, em 1903, que dividiu com seu marido, Pierre Curie (1859-1906) e com Antoine Henri Becquerel (1852-1908), justamente por suas pesquisas sobre radioatividade.

A filha da cientista polonesa radicada francesa, Irène Joliot-Curie (1897-1956), tornou-se a segunda mulher a ganhar o Nobel de Química, em 1934, com o marido Frédéric Joliot-Curie (1900-1958), pela descoberta da radioatividade artificial.

E as outras duas únicas mulheres que receberam o prêmio Nobel de Química, entre os 159 laureados com a honraria – a egípcia, radicada inglesa, Doroty Crowfoot Hodgkin (1910-1994) e a israelense Ada Yonath –, foram premiadas por pesquisas em cristalografia.

Marie Curie

De acordo com Goldfarb, além de Marie Curie, outras mulheres de sua época foram indicadas ao prêmio Nobel. Porém, a cientista francesa conseguiu se distinguir das demais e não se tornar mais uma “ilustre desconhecida” na história da ciência, além de sua genialidade, pela maneira como conseguiu projetar sua imagem.

“Ela era, de fato, talentosa, abnegada, uma fábrica de ideias, e soube potencializar isso como poucas mulheres. Ela registrava tudo e sempre aparece nas fotografias da época atarefada e compenetrada, observando ou realizando experimentos”, disse Goldfarb.

Além disso, Curie soube escolher os homens certos. O marido, Pierre Curie, que a conheceu na Universidade de Sorbonne, onde era professor de física, tinha uma enorme admiração por ela. E seu orientador, Becquerel, com quem o casal dividiu o Nobel de Física, era uma figura complacente, que facilitou muito o seu trabalho de pesquisa.

“Ela conseguiu penetrar o núcleo duro da ciência da época, sem dúvida, pelo trabalho, excelência e dedicação à pesquisa. Mas, também, com muita estratégia”, avaliou.

A cientista só conseguiu atrair a atenção de Pierre para suas pesquisas sobre radioatividade quando Gabriel Lippman (1845-1921), que era supervisor dela em Sorbonne, leu seu primeiro trabalho na Academia de Ciências de Paris, na qual ela não foi aceita como membro.

O trabalho só foi reconhecido e passou a ser discutido pela comunidade científica da época quando Pierre assinou juntamente com ela os resultados.

“Esse reconhecimento científico só ocorreu quando se formou a figura do casal. E esse fato tem uma relação direta com uma noção de gênero que havia na época, chamada de complementaridade sexual, que está relacionada com a longa história do isolamento da mulher das práticas laboratoriais”, disse Gabriel Pugliese, professor da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP), durante o evento.

Segundo Pugliese, por essa noção de gênero da época, o homem era vinculado à política, ao espaço público, enquanto a mulher estava restrita à esfera privada, aos trabalhos domésticos. Uma complementaridade de funções que está ilustrada na própria forma como Marie e Pierre Currie dividiram o trabalho de pesquisa sobre a radioatividade.

Enquanto Marie ficou encarregada de realizar os experimentos para purificar os elementos radioativos (o trabalho “doméstico”), Pierre foi incumbido de estudar as radiações emitidas pelas substâncias químicas (o trabalho de laboratório).

“Isso também tem relação com a noção de laboratório como cozinha, em que Marie Curie aparece como aquela que faz os experimentos, uma auxiliar do Pierre, enquanto ele faz o trabalho mais prestigioso de pensar e cumprir o ofício de chefe do laboratório, procurando recursos e estabelecendo relações com outros cientistas”, disse Pugliese.

“A intenção dos organizadores do Nobel, na época, era premiar apenas Becquerel e Pierre, mas esse último, ao saber disso, recusou-se a receber o prêmio sem dividi-lo com Marie”, disse.

Homenagem à FAPESP

Durante a abertura da penúltima edição do Ciclo de Conferências Ano Internacional da Química – 2011, a FAPESP recebeu uma homenagem pelos seus 50 anos, que completará em maio de 2012, da Sociedade Brasileira de Química (SBQ).

A homenagem, feita na forma de uma escultura, criada pela artista plástica Sara Rosemberg, batizada de “Rosa dos ventos”, foi entregue por Vanderlan da Silva Bolzani, professora do Instituto de Química de Araraquara da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e membro do comitê nacional de atividades do Ano Internacional da Química 2011, da SBQ, a Carlos Henrique de Brito Cruz, diretor científico da FAPESP.

Cruz agradeceu a homenagem em nome da FAPESP e cumprimentou Bolzani pela organização do Ciclo de Conferências Ano Internacional de Química – 2011, além da comunidade de química do Estado de São Paulo e todos os pesquisadores da área pelo trabalho que têm realizado em prol da ciência brasileira.

“Muitas vezes lutando e vencendo de forma imaginativa diversos tipos de obstáculos, os químicos brasileiros vêm produzindo ciência que é competitiva mundialmente em vários dos centros de pesquisa que nós temos no Estado de São Paulo e no Brasil”, disse.

Promovido pela Sociedade Brasileira de Química (SBQ) em parceria com a revista Pesquisa FAPESP, o Ciclo de Conferências Ano Internacional da Química – 2011 integrou as comemorações oficiais do Ano Internacional da Química, instituído pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) e a União Internacional de Química Pura e Aplicada (Iupac, na sigla em inglês).

O ciclo foi coordenado por Bolzani e por Mariluce Moura, diretora de redação de Pesquisa FAPESP.

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Literatura censurada pela ditadura é tema de estudo

 

Agência FAPESP – Entre 1970 e 1988, durante a última ditadura militar no Brasil, mais de 140 livros nacionais chegaram a sofrer censura prévia.

A partir do estudo dos atos censórios do Departamento de Censura e Diversões Públicas (DCDP), uma pesquisadora da Universidade de São Paulo (USP) sistematizou pela primeira vez uma listagem das obras de ficção censuradas, além de identificar e analisar, a partir de alguns casos particulares, os mecanismos de censura utilizados.

Os resultados do estudo estão sintetizados no livro Repressão e resistência: Censura a livros na ditadura militar, de Sandra Reimão, professora da Escola de Artes e Ciências Humanas (EACH) e do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação (PPGCOM) da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP.

O livro, que teve apoio da FAPESP na modalidade Auxílio à Pesquisa – Publicações, será lançado no dia 7 de dezembro, às 18h30, na Livraria Martins Fontes, na Avenida Paulista, em São Paulo.

Segundo Reimão, o projeto da obra surgiu após a leitura do livro Roteiro da Intolerância: A censura cinematográfica no Brasil, de Inimá Ferreira Simões, lançado em 1999. Vários dos filmes censurados que constavam no livro de Simões eram adaptações de obras literárias.

“Decidi pesquisar se os livros que haviam inspirado os filmes censurados também haviam sofrido censura. Mas tive uma grande surpresa ao descobrir que não havia nenhum levantamento sistemático dos livros censurados no período da ditadura. Havia apenas listagens parciais, sem especificações claras para identificar as obras. Foi quando decidi fazer esse levantamento”, disse Reimão à Agência FAPESP.

Aproveitando a bibliografia existente, a pesquisadora trabalhou com o arquivo de pareceres do DCDP e rastreou a documentação sobre as obras no Arquivo Nacional. O projeto gráfico, que foi concebido para dialogar com o texto, é um dos destaques da publicação.

“Além de fazer um levantamento sistemático das obras censuradas e de traçar um panorama histórico da atuação censória do governo militar em relação à arte e cultura – e aos livros, em particular –, procurei também destacar alguns casos particulares de censura à ficção, para analisar as características da censura”, disse Reimão.

A pesquisadora analisou especificamente os casos de Feliz Ano Novo, de Rubem Fonseca, Zero, de Ignácio de Loyola Brandão, Dez histórias imorais, de Aguinaldo Silva, Em câmara lenta, de Renato Tapajós, e os contos Mister Curitiba, de Dalton Trevisan, e O cobrador, de Rubem Fonseca.

Segundo ela, o decreto lei 1077, de 26 de janeiro de 1970 – também incluído no livro –, que instituiu a censura prévia no Brasil, definia como passíveis de censura os livros que ofendiam a moral comum e que podiam “destruir a base moral da sociedade”.

O mesmo decreto também indicava que as obras que ameaçavam a moral também colocavam “em prática um plano subversivo que coloca em perigo a segurança nacional”.

“Para os censores, havia uma correlação clara entre a destruição dos valores morais e a segurança nacional. Uma das conclusões do livro é que, quando tratamos da década de 1970, não é possível separar o universo moral do universo político”, disse Reimão.

  • Repressão e resistência: Censura a livros na ditadura militar
    Autora: Sandra Reimão
    Lançamento: 2011
    Preço: R$ 78
    Páginas: 184
    Mais informações: www.edusp.com.br

Via Agência FAPESP

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A influência da escolaridade

Este é um tema longo e abordável sob muitos aspectos, porém, não dá para negar, a escolaridade influencia sim na vida das pessoas.

Li durante todo o mês de outubro, para a realização de um trabalho, estudos sobre hipertensão que demonstravam que, entre outros fatores, a baixa escolaridade está relacionada, não só a muitos casos de doenças crônico degenerativas, como implica diretamente na dificuldade do tratamento.

Pois que agora me chega a reportagem:

Diferença de salario é maior por escolaridade

Os homens ainda são maioria no mercado de trabalho e possuem salário maior que o das mulheres, segundo o Cadastro Central de Empresas 2009 (Cempre), divulgado hoje pelo Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE). Mas, ao contrário do que ocorria no passado, o gênero não é mais tão determinante para o sucesso profissional. O que impulsiona o salário atualmente é o nível de escolaridade.

Embora os homens ganhassem 24,1% a mais do que as mulheres, segundo a média nacional, a escolaridade mostrou-se mais determinante para o nível salarial. Os trabalhadores que tinham curso superior ganhavam um salário 225% maior do que os que não concluíram a faculdade.

De um montante de 40,2 milhões de trabalhadores assalariados, 33,6 milhões não tinham nível superior (83,5%) contra apenas 6,6 milhões de pessoas com curso superior (16,5%). No entanto, essa fatia de trabalhadores que concluíram a faculdade concentrou R$ 310,6 bilhões, ou 39,7% da massa salarial, enquanto os outros R$ 471,3 bilhões, ou 60,3%, foram distribuídos entre os trabalhadores com menor escolaridade.

O salário médio mensal, em 2009, foi de R$ 1.540,59 ou 3,3 salários mínimos. Os homens receberam, em média, R$ 1.682,07, ou 3,6 salários, enquanto as mulheres receberam R$ 1.346,16, ou 2,9 salários. O levantamento foi conduzido com 4,8 milhões de empresas e organizações, que reuniam 40,2 milhões de assalariados, sendo que 23,4 milhões (58,1%) eram homens e 33,6 milhões (83,5%) não tinham nível superior. Daniela Amorim

Estadão

Pois é.

Isso que nossas escolas nem são das melhores, imaginem se fossem…

 

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